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  • Foto do escritorFernando Silva

Freud e o social em sua concepção subjetivista






Sigmund Freud e seus estudos sobre psicanálise foram inovadores ao lidar com as concepções psiquiátricas inerentes a condição humana. O fato é que a relação do Eu com o Outro ou com os Outros são pontos fundamentais na psicanálise freudiana, mas que aparentam ser tão óbvia que muitas vezes não é dada a devida importância à esfera de sociabilidade. Freud, por exemplo, ao utilizar o método catártico, explorou através da hipnose as memórias das pacientes histéricas[1]; memórias estas que sempre estiveram presentes para as pacientes e que durante a hipnose, tornaram-se mais nítidas e carregadas de uma “forte carga afetiva”. Deste modo, buscando as experiências originárias e “eventos traumáticos”, o psicanalista chegou a três importantes conclusões[2]:

  1. Os sintomas possuem um sentido;

  2. Os sintomas possuem uma relação com experiências traumáticas de conotação sexual, estejam elas ocultas ou não. Por isso, para compreender os sintomas, é necessário levar em conta a “questão energética”;

  3. Os sintomas estão ligados às experiências com “forte carga afetiva” e contêm algum grau de frustração sexual. Logo, Freud descobre que eles são causados por um desvio de uma carga afetiva que não chega a ser esgotada plenamente.

Assim, os sintomas partem de pressupostos de algum tipo de relação com o outro, exclusivamente de origem sexual. O que Freud percebe é que os sintomas são resultados tanto da “carga afetiva”, devido à mesma ter sido desviada do seu destino original, como o conflito dessa vontade original do desejo do Ego contra a sua vontade. O que decorre é que na realidade, o desejo do indivíduo que aparentemente parte do consciente, é na verdade uma expressão do inconsciente. É nesse conflito entre essa vontade original, originada no Inconsciente e afetada pelos desejos (mais íntimos) e a contra-vontade, englobada por aquilo que se espera socialmente; baseada em padrões culturais e morais, que gera atos falhos, isto é, a parapraxia[3]. Dessa forma, esquematiza-se que todo acontecimento psíquico tem uma causa e Freud propõe-se a descobrir quais os sentidos dos sintomas.

Outros conceitos fundamentais que aparecem na linha psicanalítica freudiana são os sonhos, a sexualidade e a infância. É curiosa a maneira pela qual a interligação entre esses três termos são essências para lógica freudiana. Primeiro por que os sonhos[4] e as parapraxias são evidências dos conflitos subjetivos entre a exigência moral e os desejos. Os desejos que são reprimidos na vida de vigília estão muitas vezes relacionados aos desejos mais instintivos do ser humano: Os sonhos[5] seriam uma espécie de realização de desejos reprimidos quando o indivíduo está consciente. O que é posto em jogo é o conflito no sonho: Por um lado há o desejo e por outro uma mescla de pressão para a adequação social e o instinto de auto-preservação (a necessidade de dormir por motivos biológicos) que geram uma repressão[6].


A moralidade inclusive pode ser uma forma de repressão. Podemos notar vários exemplos ao longo das obras de Freud: Seja no complexo de Édipo, por toda a relação de ambivalência do desejo genital pela mãe (incesto) e o amor e ódio por aquele que relaciona-se com ela (o pai), resultando no indivíduo que tende a ser como seu pai para ter alguém como sua mãe. Um diferencial é que a moralidade na experiência psicanalítica vem de dentro, e não de fora. Na representação proposta pro Freud, o Ego é uma instância que autopreserva-se organicamente e socialmente e que sofre estímulos, o inconsciente é reprimido, enquanto que o Super-ego[7] é o produto da censura da repressão (uma espécie de inconsciente secundário). Ou em Totem e tabu, através do jantar totêmico[8], onde após o assassinato do pai[9], o fundamento da coesão social, ou seja, a convivência entre os irmãos parricidas é a repressão dos instintos para a instituição de uma nova ordem social, com a instauração do exogamia. Portanto, com a proibição do incesto, uma dos principais fundamentos da vida na maioria das sociedades e com uma espécie de “contrato social” entre irmãos, impedindo que eles recaiam na violenta horda primitiva do jantar totêmico, institui-se a moralidade e a ordem.


A repressão dos instintos é também o motivo pelo qual a vivência em sociedade gera infelicidade. De acordo com Freud, não há a possibilidade de realização do princípio de prazer na socialização, tanto que o que ocorre é a substituição da busca do prazer pela prevenção do desprazer (por meio do trabalho conjunto e do desenvolvimento técnico nas comunidades humanas)[10]. Contudo, mediante a “sublimação dos instintos”, há um desvio da energia instintual sexual para objetos da cultura. Ainda sobre as teorias dos instintos, é importante identificar a principal diferença entre as elas: uma inversão posicional e esquemática da repressão com os instintos. Enquanto que na primeira, por meio do instinto de ego e da libido, a angústia é o resultado da repressão, na segunda, através do Eros (libido) e da pulsão da morte, a angústia é a origem da repressão.


É fundamental também a análise da obra Psicologia das massas e análise do ego. Freud, em 1921, afirma que as leis gerais da psicologia de grupo (das massas) são semelhantes às leis gerais da psicologia subjetiva (individual). Isso porque primeiramente a psicologia subjetiva é justamente semelhante à psicologia de grupo e em segundo lugar é devido aos principais baluartes conceituais da psicanálise dizerem a respeito de fenômenos sociais. O individuo então é indissociável do social, visto que mesmo sozinho, no indivíduo há sempre a presença do outro. Freud parte do pressuposto de que inserido num grupo, o indivíduo pensa, sente e age da mesma forma quando está sozinho e para tentar entender o porquê, utiliza-se de autores como Le Bom e McDougall (apesar do posicionamento deles ser o oposto de Freud quanto ao comportamento individual e coletivo) para retratar a vida em sociedade e atribuem à sugestão a responsabilidade pelas transformações ocorridas nos indivíduos em multidões. A grande sacada freudiana é que enquanto Le Bon e McDougall não conseguem dar uma explicação para o funcionamento dessa sugestão, Freud destaca que é necessário o conceito de libido para que o indivíduo participe do grupo, onde aí sim ocorreria uma alteração em termos da atividade mental (onde a sugestão levaria ao amor, por consequência a sexualidade e por fim último, objeto de estudos da psicanálise).


[1]Naquela época, a histeria era inexplicável da perspectiva fisiológico mecanicista da Medicina: ela era vista como uma doença feminina, onde as mulheres eram ditas fingirem ter algum tipo de problema físico para chamar a atenção. Freud não partilhava dessa acepção. A grande problemática era que o tratamento, feito através de hipnose, curava as pacientes, porém por um breve período. Logo após, todos os sintomas retornavam. [2] Essas conclusões são descritas por Freud com a coautoria Joseph Breuer na obra Estudos sobre a Histeria, em 1895, após o famoso caso da Anna O.

[3]As parapraxias são expressões das intenções do inconsciente no consciente. Exemplos comuns de parapraxia são as substituições de palavras ou o esquecimento das coisas.

[4] Freud diferencia os sonhos infantis dos sonhos adultos. Enquanto que os sonhos infantis são quase sempre realizações alucinatórias de desejos, geralmente curtos e coerentes, os sonhos adultos são as afirmações escondidas do desejo no inconsciente, cujos são ambíguos e confusos. [5] Contrapondo-se ao pensamento vigente em sua época, Freud acreditava que os sonhos detêm um sentido e que por isso são passíveis de serem interpretados, isto é, descobrir o que há de oculto neles que referencia-se aos sentidos dos desejos. [6] Os sonhos são as somas dos chamados conteúdos manifestos e conteúdos latentes. O conteúdo manifesto refere-se à experiência consciente durante o sonho, ou seja, a história do sonho. Já o conteúdo latente representa os desejos reprimidos. A única maneira pela qual os desejos reprimidos que estão no conteúdo latente aparecerem no conteúdo manifesto são através da elaboração onírica, de maneira distorcida.

[7] Compreende-se como o ideal de ego (aquele que eu tenho de ser para ter minha mãe) somado ao ego ideal (a manutenção dessa ideia de realização do desejo pela mãe). [8] Mandamento existente em certas tribos antigas onde numa data especial, era devorada a carne do totem – que era as estruturas de parentesco, num ato que era proibido o resto do tempo: matar e devorar o pai. [9] O instrumento da realização da repressão é a satisfação (o princípio do prazer). Para que isto ocorra, é necessário uma introjeção da moralidade: uma identificação com o pai, que é a instância limitadora, na resolução do complexo de Édipo. [10] A função da socialização em O mal-estar da civilização é evitar o sofrimento.

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